Em muitas regiões do país, especialmente nos pequenos municípios interioranos distantes dos grandes centros urbanos, a cobertura da imprensa é escassa ou inexistente, afetando diretamente a participação cívica e a liberdade de expressão dessas comunidades, situação agravada pelo poder político local que ‘investe’ no vácuo informativo, prejudicando o acompanhamento da execução do orçamento público pela população e a capacidade dos cidadãos de se engajarem nas questões locais.
A ‘grande mídia’, pautada no retorno financeiro do trabalho jornalístico, só retrata notícias referentes aos pequenos municípios quando acontece um desastre natural, ocorrência policial ou fato político de grande relevância, deixando no ostracismo a cultura, o empreendedorismo, a vida em sociedade e o necessário acompanhamento do jornalismo à vida política e social dos pequenos municípios, como se essas localidades fossem isoladas do contexto estadual e federativo e não tivessem o essencial direito de se expressar.
O site Atlas da Notícia disponibiliza gráficos, mapas e diversos dados estatísticos relacionados aos formatos de veículos jornalísticos, locais desertos de cobertura da imprensa e diversas outras informações que podem ser filtradas por municípios, regiões, formatos e outras combinações estatísticas que permitem uma visualização ampla da cobertura jornalística no Brasil. No gráfico abaixo, podemos observar a supremacia dos formatos on-line em relação ao rádio, impressos e televisão. (Atlas da Notícia)
Para suprir esse vácuo informativo, pequenos empreendimentos tentam promover o mínimo de dignidade a toda essa gente que se vê ilhada do direito fundamental de se comunicar. Nesse contexto, surgem sites, blogs, podcasts, jornais impressos, rádios comunitárias e outros meios alternativos de comunicação que tentam noticiar, disponibilizar canais de denúncia e até mesmo promover o comércio e a cultura local. Muitos desses empreendimentos se deparam com a falta de recursos financeiros e de infraestrutura dos pequenos municípios. Com populações reduzidas e economias muitas vezes limitadas, os veículos de comunicação enfrentam dificuldades para se estabelecerem e se manterem nessas regiões.
De acordo com pesquisa realizada pela Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) em 2019, “4 em cada 10 jornalistas não estavam mais na profissão no comparativo entre 2012 e 2017 e dos que estavam foram da profissão, 68,3% permaneceram fora dela no período. Os jornalistas também não migram a atuação da mídia para fora da mídia. A avaliação é que conforme o tempo vai passando, mais jornalistas desistem da profissão. Em cada dez jornalistas, cinco permanecem, três abandonam e dois atuam em outras áreas.” (Seminário Sindical | Qual o perfil do profissional jornalista no contexto de plataformização do jornalismo? – FENAJ)
Essas iniciativas logo sofrem o assédio do poder político, que tenta cooptar esses canais para a divulgação da propaganda governamental, exigindo a parcialidade na linha editorial em troca da destinação de verbas públicas como pagamento pela cobertura institucional. Além disso, a concentração de mídias nos grandes centros urbanos resulta em uma menor atenção dada às notícias e eventos que ocorrem nas áreas mais remotas do país. Sem recursos para manter o empreendimento jornalístico, logo muitos cedem à linha “chapa branca” e se tornam meros “diários oficiais” da gestão pública local.
Consequências à democracia e ao desenvolvimento local
A falta de cobertura da imprensa nos pequenos municípios brasileiros também implica em sérias consequências para a democracia e para o desenvolvimento local. Sem acesso a informações relevantes sobre políticas públicas, dados técnicos, eventos comunitários e questões sociais, os cidadãos dessas regiões ficam desfavorecidos na tomada de decisões e na defesa de seus interesses. Com o direito de opinar reprimido e os canais controlados, os pequenos municípios são esquecidos do resto do país, e o que sai no noticiário da grande mídia não reflete a real situação de que vive essa realidade interiorana, nem desperta o interesse dessas comunidades, dividindo o país em grandes centros desenvolvidos e pequenas localidades esquecidas pelo processo democrático, quando se é negado o direito de livre expressão.
Nesse cenário, a vida se torna mais difícil, o progresso se torna mais lento e até a legislação é descumprida, pois num ambiente em que a ausência de informação impera, o que sobra é a restrição de direitos, o crescimento da corrupção, o descaso nas políticas públicas e a inércia das instituições sociais e comunitárias diante de um quadro de isolamento social, político e cultural.
A internet tem ajudado bastante no combate a esse isolamento, contudo, a rede mundial conectada também oferece muita desinformação e distração, e o que poderia ser uma arma para a sociedade, se transforma em armadilha, desvio de foco, radicalização e muitas vezes se torna mais um canal de massificação cultural, alienação social e disseminação de ideologias, ampliando ainda mais o isolamento das pequenas comunidades interioranas diante desse novo mecanismo dominação.
É crucial que sejam desenvolvidas iniciativas para promover o jornalismo local e garantir que todas as comunidades, independentemente do tamanho, tenham acesso a uma cobertura jornalística abrangente e de qualidade. O empreendedorismo no setor de comunicação social é raramente incentivado, divulgado e patrocinado, e até mesmo a atividade jornalística se resume a um número restrito de empregos oferecidos nas poucas empresas de comunicação, e a grande massa de jornalistas formada anualmente pelas universidades públicas e privadas é simplesmente ‘despejada’ no mercado, sem qualquer perspectiva de desenvolver o seu papel, tão essencial à democracia.
O poderio econômico direciona o patrocínio aos seus interesses e o poder público vincula a comunicação social à propaganda institucional, sobrando à grande massa de jornalistas optar por ingressar em outra profissão ou aderir ao empreendedorismo nos meios digitais, sujeitando-se ao minguado patrocínio comercial, contratos governamentais ou até mesmo ao autofinanciamento para ter um canal com o mínimo de imparcialidade que requer o trabalho jornalístico profissional em sua missão de atender ao interesse público.
Iniciativas locais
Empreender no setor jornalístico nos pequenos municípios do interior brasileiro requer uma abordagem proativa, criativa e adaptável às particularidades locais. Embora os desafios sejam enormes, há também oportunidades valiosas para quem busca fornecer serviços de comunicação indispensáveis para essas comunidades, se fazendo essencial que o empreendimento seja reconhecido pela comunidade local como um autêntico representante de suas necessidades e expressividades, com o imenso desafio de ser a voz e a cara da sociedade e ainda adequar o negócio às limitações dos recursos disponíveis.
Além disso, é essencial investir em tecnologia e inovação para permanecer relevante e competitivo no mercado jornalístico em constante evolução, utilizando ferramentas digitais para aumentar a eficiência na produção de conteúdo, a criação de plataformas on-line interativas para engajar os leitores e a exploração de novas formas de distribuição de notícias, como redes sociais e aplicativos móveis.
Ao combinar uma compreensão profunda das necessidades locais com uma mentalidade empreendedora e inovadora, é possível construir um negócio jornalístico bem-sucedido e sustentável nos pequenos municípios do interior brasileiro. Assim, os empreendedores podem concentrar seus esforços em áreas negligenciadas, destacando questões locais relevantes e oferecendo uma plataforma para vozes normalmente não ouvidas.
Ao adaptar-se às necessidades e preferências da população local, os empreendedores jornalísticos podem preencher lacunas na cobertura da grande imprensa e promover uma maior inclusão e representatividade nas narrativas jornalísticas das comunidades do interior brasileiro, e assim atender demandas locais como a promoção da educação, o empreendedorismo, a inovação, a inclusão às políticas públicas e o essencial direito de se expressar, sem perder o foco na ética, no profissionalismo, na imparcialidade editorial e no interesse público dessa atividade vital à sociedade.
Portal GPS – Empreendimento jornalístico impactando no contexto social do município Sapé-PB
O município de Sapé, na zona da mata paraibana, é mais um dos pequenos municípios brasileiros “ilhados” do interesse da grande imprensa. Conforme o último censo, o município tem pouco mais de 51 mil habitantes e mesmo figurando entre as maiores economias do Estado, Sapé não desperta o interesse da grande mídia. Os telejornais estaduais muitas vezes dão mais importância a um buraco numa avenida da capital do que ao descaso nas aplicações das verbas públicas em cidades do interior, e até mesmo ignoram as manifestações culturais e iniciativas empreendedoras, que só recebem destaque se divulgadas através de mídias patrocinadas.
Nesse contexto, a atividade jornalística em Sapé vem se mantendo com diversas iniciativas empreendedoras, que no passado se apresentavam na forma de jornais impressos e programas jornalísticos na rádio comunitária local, e atualmente se expressam através de blogs, sites e podcasts. Muitas dessas manifestações noticiosas se dão de forma amadora, sem o rigor jornalístico, impulsionadas pelo fenômeno das redes sociais.
Em um contexto mais profissional, podemos destacar o Portal GPS (Gestão Pública e Sociedade – www.gestaopublicaesociedade.com.br), um portal de notícias que não veicula matérias pagas nem disponibiliza espaços publicitários, focando o noticiário com exclusividade no município de Sapé, suprindo o vácuo deixado pela imprensa estadual e se mantendo firme em não ampliar sua cobertura a outros município, num exercício constante de manter o interesse da comunidade local, focando principalmente no acompanhamento da gestão pública municipal e nos acontecimentos culturais, religiosos, policiais, políticos e principalmente na divulgação do município.
O que, à primeira vista, parece ser um empreendimento que não rende dividendos financeiros, é na verdade um empreendimento social, que dá voz, vez e divulga o município de uma forma única e exclusiva, mantendo a independência e o foco na comunidade local. O que difere o Portal GPS das outras iniciativas locais é essencialmente a exclusividade, se mantendo no propósito da essência municipal, um legítimo e único canal de representação da sociedade local, enquanto outras iniciativas semelhantes, mesmo enfatizando seus municípios-sede, recorrem a cobrir superficialmente também outras cidades vizinhas, até mesmo para ampliar o campo de patrocínio, que é bancado pelo comércio e por instituições diversas dessas localidades.
Muitas matérias do Portal GPS são utilizadas em processos e procedimentos dos órgãos fiscalizadores, como o Tribunal de Contas e o Ministério Público, através de denúncias protocoladas pelo próprio Portal ou se transformando em processos judiciais de terceiros em que a corrupção e o descaso são expostos e apurados.
O Portal, que tem como foco promover a cidadania, divulgar o município e dar voz à comunidade, vem colhendo frutos e suprindo o vácuo jornalístico deixado pela grande mídia, e um dos fatos de grande impacto mais recente foi a divulgação do último reajuste salarial dos vereadores da cidade, que ampliaram seus próprios vencimentos em 73,75%.
EM SAPÉ – Salários dos vereadores são reajustados em 73,75% – (gestaopublicaesociedade.com.br)
A publicação da farra dos vereadores de Sapé pautou o noticiário estadual, numa prova de que o empreendedorismo jornalístico profissional pode contribuir com a cidadania, promover a justiça social, dar voz à comunidade e cumprir o papel essencial da imprensa no processo democrático brasileiro.
Por Jorge Galdino – Jornalista
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