Em 02 de abril de 1962 era assassinado em Sapé o líder camponês João Pedro Teixeira
Conheça a história das ligas camponesas e todo o contexto político e ideológico que envolveu Sapé no golpe de 1964
EUA temiam comunismo
A Revolução Cubana representava a expansão dos ideais comunistas dos soviéticos. A intenção agora era não permitir que chegassem ao Brasil
Por que a organização de trabalhadores camponeses, muitos subnutridos e analfabetos, numa das regiões mais pobres do mundo, transformou-se numa ameaça aos Estados Unidos? O cenário político mundial da época, dominado pelo terror da guerra fria, pode explicar.
Até meados da década de 50, regimes ditatoriais apoiados pelos Estados Unidos garantiam o controle dos norte-americanos sobre a América Latina: Fulgêncio Batista governava Cuba; Perez Jiménez, a Venezuela; Juan Domingo Perón, a Argentina; Rojas Pinilla, a Colômbia; Anastácio Somoza, a Nicarágua; Alfredo Stroessner, o Paraguai; e Rafael Trujillo, a República Dominicana.
Não obstante as perseguições, prisões ilegais e execuções a que foram submetidos os povos destes países, tudo parecia tranquilo aos olhos do governo norte-americano, considerando o controle que mantinha sobre os ditadores latinos.
Apenas Getúlio Vargas, no Brasil, e Jacobo Arbenz, na Guatemala, tumultuavam um pouco a situação, falando em mudanças. Mas o suicídio do primeiro e a deposição do outro, em 1954, “resolveram” satisfatoriamente o problema.
Tudo estava tão sob controle, que o público norte-americano mal ouvia falar sobre a América Latina, que não tinha qualquer espaço na mídia local.
Até que em janeiro de 1955, os ventos começaram a soprar em direção diferente: o presidente panamenho, José Antonio Remon, foi assassinado, e uma semana depois chegaram os primeiros relatos de uma invasão na Costa Rica pela vizinha Nicarágua. “Neste mesmo período de tempo, surgiram histórias de instabilidade política no Peru e na Bolívia, conspirações ‘vermelhas’ em Cuba e na Guatemala, e o início dos ataques de Perón contra a Igreja Católica na Argentina”, como conta o escritor Joseph A. Page.
As mudanças da política externa norte-americana com relação à América Latina ocorreram, entretanto, apenas a partir de janeiro de 1959, com a Revolução Cubana. A tomada da ilha pelos “vermelhos” significava muito mais que a perda do controle sobre o território; representava, acima de tudo, a expansão do comunismo soviético e a ameaça iminente da “contaminação” do continente americano pelos ideais revolucionários, personificados em Fidel Castro e Che Guevara.
O fato é que, de acordo com a Doutrina da Segurança Nacional (National Security) desenvolvida pelo Pentágono, todos os movimentos políticos que ocorriam no mundo afetavam de algum modo os interesses estratégicos dos Estados Unidos. A Revolução Cubana e as medidas sociais e políticas tomadas pelo regime de Fidel Castro, por exemplo, foram interpretadas pelos americanos como uma extensão dos projetos soviéticos de dominação da América Latina.
Kennedy lança plano populista
Com uma aguçada intuição para o perigo, o novo presidente americano, John Kennedy, eleito em 1960, percebendo perfeitamente a “tentação” que o fidelismo poderia representar para a América Latina empobrecida e desesperançada, moldou um plano populista, que “extirparia o germe revolucionário” do continente.
Em 1961, um grupo de trabalho, do qual fazia parte Lincoln Gordon, que viria a ser embaixador no Brasil, apresentou as diretrizes da Aliança para o Progresso. O documento preconizava, entre outras coisas, que os Estados Unidos deveriam liderar um processo de transformação social na AL, sem apostar exclusivamente nos méritos da repressão, mas sim, empenhando-se num projeto de mudanças que empolgasse os povos latino-americanos, afastando-os da “tentação revolucionária”.
Por via das dúvidas e para afastar a possibilidade de fracasso do “plano reformista”, o governo Kennedy passou a dar suporte técnico à teoria da contra insurgência. Tratava-se de uma ampla remodelação da instituição militar do continente para adaptar as Forças Armas latino-americanas à luta anti-guerrilha.
Para tanto, foi fundada em 1961, a famosa Escola das Américas, logo apelidada de Escola dos Ditadores. Segundo a doutrina da Escola, os militares não seriam apenas os guardiães das normas constitucionais e das fronteiras, mas estariam prontos a exercer o poder em seus países se as circunstâncias assim o determinassem.
Como pode-se concluir, a nova política dos Estados Unidos para a América Latina camuflava-se em intenções reformistas para, paradoxalmente, reagrupar forças reacionárias e conservadoras. A Aliança para o Progresso e a Doutrina da Contra Insurgência plantaram assim as sementes para as futuras ditaduras militares que se instalaram nos países latinos, inclusive no Brasil, a partir de 64.
Jango promete reformas
A renúncia do presidente brasileiro Jânio Quadros em agosto de 1961 provocou uma grave crise política no Brasil, principalmente porque o vice-presidente, legítimo sucessor, era João Goulart, visto pelos militares como o “herdeiro do getulismo”.
Um esboço de golpe estava já se desenhando quando a chamada “Rede da Legalidade” estendeu-se pelo país exigindo o cumprimento da Constituição.
Jango tomou posse, mas só após o Congresso votar uma Emenda instituindo o regime parlamentarista. Um plebiscito, ao final do governo Goulart, deveria referendar o novo regime. Como já havia sido previsto pelos militares, Jango optou por um programa nacionalista e reformista, reservando ao capital estrangeiro uma posição secundária.
O ministro do Planejamento, o paraibano Celso Furtado, elaborou a nova estratégia de crescimento para o País: o Plano Trienal de Desenvolvimento Econômico e Social, que determinava a realização de reformas de base (agrária, bancária, educacional etc).
Pressionado pelo governo dos EUA, que se recusava a renegociar a dívida brasileira por considerar a sua administração radical demais, e enfraquecido pela resistência no Congresso das forças conservadoras, o presidente aproximava-se gradualmente das correntes reformistas de esquerda.
Organizações nacionalistas, além de políticos de influência crescente como Leonel Brizola e Miguel Arraes, exigiam mudanças radicais no Brasil. Em resposta, o governo norte-americano, através da Embaixada no Brasil, ajudava financeiramente parlamentares mais conservadores e governadores de oposição.
“Entidades políticas e sindicais que faziam sistemática oposição a Goulart foram generosamente contemplados com recursos financeiros do governo norte-americano”, relata Caio Navarro de Toledo, no livro “O Governo Goulart e o Golpe de 64”.
Golpe implanta a ditadura militar
A Aliança para o Progresso liberava verbas apenas para aqueles estados cujos governadores eram hostis ao governo federal, uma política que ficou conhecida entre os americanos como “ajuda às ilhas de sanidade administrativa”.
Dessa forma, foram beneficiados estados como a Guanabara, São Paulo e Minas Gerais, que tinham à frente importantes “conspiradores civis”, respectivamente, Carlos Lacerda, Adhemar de Barros e Magalhães Pinto.
No dia 13 de março de 63, Goulart apostou todas as fichas numa decisão arriscada: antecipou-se à deliberação do Congresso Nacional e lançou o programa de reformas de base durante um grande comício em frente à estação Central do Brasil, no Rio de Janeiro. “Na presença de 300 mil trabalhadores, estudantes e grupos de esquerda, e no mesmo palanque usado por Getúlio para seus comícios, o presidente Goulart, ao lado de autoridades militares e civis do governo, decretou a nacionalização das refinarias particulares de petróleo e desapropriação de propriedades às margens das ferrovias, rodovias e em zonas de irrigação de açudes públicos”. (Do livro “História da Sociedade Brasileira”, de Francisco Alencar, Lúcia Carpi Ramalho e Marcus Venício Toledo).
O comício tinha natureza radical. Jango sabia que agora era tudo ou nada. Ele reafirmou, frente a uma massa impressionante, o seu projeto de “lutar com todas as suas forças pela reforma da sociedade brasileira. Não apenas pela reforma agrária, mas pela reforma tributária, pela reforma eleitoral ampla, pelo voto do analfabeto e pela elegibilidade de todos os brasileiros, pela pureza da vida democrática, pela emancipação econômica, pela justiça social e pelo progresso do Brasil”.
A reação conservadora chegou às ruas sete dias depois com a Marcha da Família Com Deus e pela Liberdade, em São Paulo, organizada por setores da Igreja e do empresariado, que reuniu 400 mil pessoas.
O golpe, que se travestia de revolução, era, a esta altura, já certo. E o apoio dos Estados Unidos foi decisivo para que os militares se organizassem. Documentos do Departamento de Estado norte-americano evidenciam o grau de participação e de envolvimento dos EUA na conspiração e execução do golpe de 64. Chegaram, inclusive, a elaborar um plano militar, denominado “Operação Brother Sam”, que consistia no envio às costas brasileiras de um porta-aviões de ataque pesado (o Forrestal); destroieres de apoio; petroleiros bélicos; navios de munições e navios de mantimentos; aviões transportando armas e munições (110 toneladas); aviões de caça; aviões-tanque e um posto de comando-transportado. O objetivo era fornecer apoio logístico, material e militar aos golpistas.
Os “revolucionários de abril”, entretanto, não precisaram desse tipo de apoio, contrariando os prognósticos da CIA, que previa uma guerra civil prolongada no Brasil.
Apesar dos rumores que corriam sobre a preparação da conspiração, as forças nacionalistas e de esquerda foram surpreendidas. Sem esquema militar de defesa, não esboçaram reação.
Na manhã do dia 1º de abril de 64, Goulart deixava Brasília e o presidente do Senado, Auro de Moura Andrade, declarava vago o cargo. O presidente da Câmara, Ranieri Mazilli, foi nomeado para ocupá-lo provisoriamente.
E MAIS
Prisões e desaparecimentos
Nos dias seguintes ao golpe, o Exército e a polícia prenderam todos os líderes das Ligas Camponesas que conseguiram localizar. As sedes foram fechadas e o material apreendido.
Pedro Fazendeiro e Nego Fuba, líderes das Ligas na região de Sapé, foram presos e, seis meses depois, foram libertados. Desapareceram no mesmo dia e nunca mais foram vistos.
Francisco Julião teve seu mandato cassado e, na Paraíba, Assis Lemos foi preso, espancado e transferido para uma prisão em Recife.
Em 3 de junho, Julião foi capturado e levado para uma cela pequena e escura em Olinda, Pernambuco.
Para os latifundiários, a “revolução” de abril significou um sinal de que os “bons e velhos tempos” estavam de volta. Os camponeses, então, receberam o “troco” pela ousadia de terem se organizado e foram surrados e humilhados pelos capangas e pistoleiros a serviço dos fazendeiros.
Começava uma das mais longas e terríveis ditaduras já instaladas na América Latina.
GONZAGA RODRIGUES
Um jornalista que participou da história
Quando as Ligas Camponesas “estouraram” na Paraíba, o jornalista Gonzaga Rodrigues trabalhava nos jornais O NORTE e A União, numa época em que também atuavam profissionais como Hélio Zenaide, Jório Machado, Malaquias Batista Filho, Eurípedes Gadelha Galvão, Firmo Justino, Adalberto Barreto, Severino (Biu) Ramos e Soares Madruga.
Como cidadão assumidamente de esquerda, profissional engajado nas lutas populares, Gonzaga não apenas registrou a história das Ligas Camponesas. Ele participou. No dia em que o agrônomo Assis Lemos foi agredido e acabou no hospital, ele lembra que chegou a discursar num grande comício realizado no Engenho Miriri, que pertencia à família Ribeiro Coutinho e havia sido tomado pelos camponeses.
Apesar de ser no meio da semana – geralmente, os comícios aconteciam aos domingos, dias de feira – Gonzaga lembra da multidão que se juntou em poucos minutos, logo após a chegada da caravana de João Pessoa. “Nós vimos o campo descer. Vimos o campo descer”, recorda. “Eu falei, Jório Machado falou, João Manoel de Carvalho também. Todo mundo falou protestando contra as agressões sofridas por Assis. Reforma agrária na lei ou na marra. Era assim que a gente falava”.
Tempos depois, já na década de 70, “quando a revolução de abril já estava mais assimilada e abrandada, ele conta que foi à casa do ministro José Américo, que tinha uma visita. “Não sabia quem era. Cheguei e me sentei no terraço junto a eles”. O convidado, depois Gonzaga ficou sabendo, era o comandante do Grupamento de Engenharia. José Américo disse, em tom de brincadeira: “General, este é um dos comunistas mais perigosos”. E o general: “Muito prazer. Há muito tempo que não falo com esse tipo de gente”.
Gonzaga sorriu e disse que aquilo era brincadeira. Que nunca foi uma pessoa perigosa nem comunista. E o general: “Você pode não ser comunista, mas você é um esquerdista. Se não me engano, ouvi um discurso do senhor numa fazenda do interior, pregando a reforma agrária pela lei ou pela marra”. E o jornalista respondeu: “General, foi o único que fiz na minha vida.”.
Mas nem todas as lembranças podem ser contadas em tom de brincadeira. Na época em que os latifundiários radicalizaram as ofensivas contra os camponeses, Gonzaga recorda do papel importante desempenhado por algumas lideranças e ressalta nomes como Assis Lemos, Leonardo Moreira Leal e João Pedro Teixeira. “João Pedro não tinha expressão, nem muito carisma; mas, era um homem de ação. Ele convencia não pelas palavras, mas pelas atitudes. Na hora da decisão mesmo, era ele quem partia”, conta.
Sobre Assis Lemos, Gonzaga enfatiza: “Ele era diferente de Julião porque enquanto o líder pernambucano era um homem que gostava do palco, Assis estava no palco e embaixo também, lado a lado com os camponeses”.
O jornalista também lembra da atuação do então chefe de polícia, Francisco Maria. “Foi um dos homens mais corajosos que eu conheci. Era para ele apurar a morte de João Pessoa e ele apurou. Ele não cedeu.”
Leonardo Moreira também teve grande valor na história das Ligas Camponesas, segundo o jornalista. “Ele é um desses heróis que passam de raspão na história, que pouco são lembrados. Mas, foi Leonardo que, usando seus serviços odontológicos como desculpa, uniu os camponeses e passou a discutir com eles temas como conscientização política e organização. Pouco tempo depois, ele criou uma associação de camponeses em Santa Rita, que viria a se transformar numa Liga Camponesa.”
Segundo Gonzaga, “a Paraíba teve dois grandes momentos em sua história. Em 1930 e durante a organização das Ligas Camponesas”.
(Nara Valuska).
HISTÓRIA DA PARAÍBA
As Ligas, os EUA e o golpe de 64
Em abril de 1962 era assassinado João Pedro Teixeira, líder camponês que virou símbolo de uma revolução que “quase” aconteceu no Nordeste
Por Nara Valuska
Em 1955, o Nordeste tinha aproximadamente 20 milhões de habitantes. A expectativa de vida era de apenas 35 anos para 80% da população e a mortalidade infantil chegava aos assombrosos 60%.
A situação dos trabalhadores rurais era tanto pior quanto possível. A grande maioria da população era constituída de lavradores e trabalhadores sem terra, submetidos a relações de trabalho espoliativas.
Foi nesse cenário que nasceram as Ligas Camponesas, um movimento surgido na zona açucareira de Pernambuco, mas que, graças à determinação de seus líderes e à legitimidade de suas bandeiras, rapidamente expandiu-se pelo Brasil e, em 1961, já tinha caráter nacional.
Os camponeses decidiram se organizar para pedir reforma agrária urgente, aplicação efetiva da legislação trabalhista no campo e o direito de livre organização sindical.
Os primeiros a se contrapor ao movimento foram os latifundiários. “Reforma agrária na Paraíba, nós vamos receber à bala”, anunciou Aguinaldo Veloso Borges, durante reunião no Palácio do Governo, na frente do então governador Pedro Gondim, segundo relata Francisco de Assis Lemos, no livro “Nordeste, O Vietnã que não Houve – Ligas Camponesas e o Golpe de 64”.
Chico Romão, um dos coronéis mais famosos da Região na época, natural de Pernambuco, também avisou: “As Ligas são como epidemias… Nossa reação é à bala, muitas balas. O Nordeste não é um parque de diversão.”
“A violência por parte dos proprietários contra os trabalhadores rurais que ousavam filiar-se às Ligas Camponesas ultrapassava a barreira do simples temor de uma revolução agrária para atingir as raias do ódio e da insensatez”, descreve o jornalista Severino Ramos no livro “Crimes que Abalaram a Paraíba”.
As Ligas passaram também a incomodar lideranças conservadoras no Brasil e surgiam como uma ameaça à política de controle externo dos Estados Unidos, que ainda não haviam “digerido” a tomada de Cuba pelos revolucionários.
Os camponeses, no entanto, não se intimidaram. Passaram a se reunir sistematicamente, realizaram congressos nacionais e fizeram comícios pelo país afora para pressionar o governo pelas reformas.
A história das Ligas Camponesas transformou-se, assim, num dos capítulos mais intensos e importantes da história do Brasil, escrito a custo de muito sofrimento e da vida de alguns líderes, inclusive o paraibano João Pedro Teixeira, assassinado no dia 2 de abril de 1962, há exatos 58 anos.
Plantando um homem
João Pedro era natural de Pilõezinhos, naquele tempo, distrito de Guarabira. Quando ainda era criança, vivenciou conflitos de terra na região e aprendeu com o pai – que fugiu para escapar da polícia – que precisava lutar para ter seus direitos garantidos.
Quando já morava em Cruz do Espírito Santo, conheceu Elizabeth, com quem casou em 1942, tendo que fugir porque os pais dela eram contra o casamento.
Até 1944, o casal morou no Sítio Massangana, onde o gerente do engenho era Luiz Pedro, tio de João Pedro. Por discordar do tratamento dispensado aos trabalhadores, João acabou deixando o local.
Foi a partir de 45 que João Pedro iniciou-se efetivamente na luta pela melhoria de vida do trabalhador. Nessa época, ele estava morando com a família em Jaboatão (Pernambuco), onde foi trabalhar numa pedreira. Lá, tornou-se líder dos operários. Em 1948, criou o sindicato e foi eleito presidente. Passou a ser perseguido pelos patrões e não conseguiu mais emprego.
Em 1954, a convite do irmão mais velho de Elizabeth, voltou a morar em Sapé, no Sítio Antas do Sono. João Pedro já conhecia as Ligas Camponesas.
Percebendo que as condições de vida dos trabalhadores rurais eram deploráveis, João Pedro passou a realizar reuniões em sua casa e, em 1955, aconteceu o Primeiro Encontro dos Camponeses de Sapé com a presença de outros líderes, como Nego Fuba e Pedro Fazendeiro, desaparecidos após o golpe militar.
No dia seguinte, João foi preso e espancado. Mesmo assim, a luta continuou com reuniões relâmpagos nas fazendas, nas feiras e na sapataria de Nego Fuba, em Sapé.
Assim, em fevereiro de 58, foi fundada a Associação dos Lavradores Agrícolas de Sapé, conhecida como Ligas Camponesas de Sapé. João Pedro foi eleito vice-presidente (mais tarde, seria presidente) e ainda representava 14 Ligas na Federação das Ligas Camponesas da Paraíba.
Pouco tempo depois, somente as Ligas de Sapé tinham dez mil associados, que trabalhavam em mutirões, plantando onde os patrões haviam destruído as lavouras, reparando casas, arrancando cercas ou defendendo companheiros na Justiça.
As ameaças e atentados contra os líderes cresciam. Em todos os locais de Sapé, como também na Capital, sabia-se que João Pedro Teixeira estava jurado de morte pelos latifundiários, que usavam capangas para intimidar os camponeses. “João Pedro sabia que não escaparia. Ele sempre abraçava os filhos e me perguntava se eu daria continuidade à luta, caso ele morresse. Eu nunca lhe disse nada. Mas, quando o vi, todo ensanguentado, morto, prometi a ele e a mim mesma que continuaria”, conta Elizabeth, emocionada.
Em 2 de abril de 1962, João Pedro precisou se apresentar em João Pessoa por causa do processo de despejo movido pelo dono do sítio onde morava, Antônio Vítor. Na Capital, foi informado que a reunião havia sido remarcada para o final da tarde. Tudo fazia parte da trama para matá-lo.
Quando retornava para casa, já próximo ao sítio, João Pedro caminhava a pé quando atiraram em suas costas. Três tiros.
Mais de cinco mil camponeses acompanharam o enterro.
À beira do túmulo, o então deputado Raymundo Asfora discursou: “Não vamos enterrar um homem. Vamos plantá-lo…”.
Prisão dos matadores e manobra política na Assembleia Legislativa
O então governador Pedro Gondim, de certa forma, pressionado pela imprensa e pela opinião pública, convocou o chefe de Polícia, Francisco Maria Filho, e fez recomendações para que ele se dirigisse a Sapé e começasse imediatamente as investigações sobre o assassinato de João Pedro. “Tudo leva a crer que há gente grossa envolvida nisso. Apure tudo. Não há limites nem restrições para a apuração desse crime”, garantiu o governador.
Severino Ramos lembra que “a imprensa paraibana exerceu papel preponderante na elucidação do crime… Os jornalistas, conscientes da sua missão e responsabilidade perante a história, despiram-se de discutíveis padrões de imparcialidade e isenção, e passaram a elaborar suas matérias com maior clareza e objetivo”.
No dia seguinte ao crime, o jornal A União publicava reportagem assinada por Hélio Zenaide e Gonzaga Rodrigues sob o título: “De fuzil e de emboscada mataram João Pedro – Líder camponês levava livros para os filhos.”
O inquérito foi presidido pelo capitão Geraldo Gomes da Silva e os depoimentos começaram a ser tomados.
No dia 9 de abril, Francisco Maria apresentava dois dos três matadores de João Pedro: os cabos Francisco Pedro da Silva, o Chiquinho, e Antônio Alexandre. O vaqueiro Arnaud Claudino, apontado por Chiquinho como o terceiro homem, nunca chegou a ser capturado.
Além de confessar o crime, o cabo Chiquinho revelou os nomes daqueles que seriam os mandantes: os latifundiários Pedro Ramos Coutinho e Aguinaldo Veloso Borges.
Grupos políticos e econômicos ligados a ambos trataram de arrumar prestamente argumentos para sua defesa. Discursos inflamados atacavam os órgãos policiais para desacreditar as investigações e até mesmo o governador Pedro Gondim foi duramente criticado.
Uma indisfarçável manobra política tratou de salvaguardar Aguinaldo Veloso Borges. Como quinto suplente eleito pela coligação entre Partido Libertador e UDN, ele acabou assumindo uma cadeira na Assembleia Legislativa, após sucessivos pedidos de licença por parte da bancada udenista, e garantindo a imunidade parlamentar. Agora, ele já não podia mais ter seu nome arrolado em inquérito sem permissão do Poder Legislativo. Pedro Ramos Coutinho também não foi indiciado.
Imprensa americana faz “alerta”
Além de João Pedro Teixeira, também tiveram fundamental importância para o movimento as lideranças de Zezé da Galiléia, João Virgínio e José Francisco, de Galiléia (Pernambuco); além de Pedro Fazendeiro, Elizabeth Teixeira, João Severino Gomes, Leonardo Moreira Leal e Assis Lemos, na Paraíba.
O agrônomo Francisco de Assis Lemos transformou-se numa das figuras mais importantes na organização das Ligas Camponesas no Estado. Pragmático, ele lutava por melhorias reais para o trabalhador rural. Sua abordagem era mais prática e menos revolucionária.
No plano nacional, o maior destaque coube a Francisco Julião, que aglutinou o movimento em torno de seu nome e de sua figura, reunindo estudantes, idealistas, visionários e alguns intelectuais.
Julião foi eleito deputado federal por Pernambuco quando as Ligas alcançaram o seu ápice de prestígio político. Essa notoriedade deveu-se em grande parte às repercussões internacionais do movimento.
A imprensa em diversos países transformou as ligas em símbolo do Terceiro Mundo emergente.
Por essa época, o governo norte-americano já tratara de obter maiores informações sobre as atividades dos camponeses organizados e acreditava que o melhor a fazer era mesmo desestabilizar e destruir as Ligas.
Em 31 de outubro de 1960, o jornal The New York Times publicou na primeira página artigo sobre “o surgimento de uma situação revolucionária cada vez mais nítido por toda a vastidão do Nordeste brasileiro”.
O autor do artigo, o jornalista Tad Szulc, alertava: “O premier de Cuba, Fidel Castro, e Mao-Tse-Tung, presidente do Partido Comunista da China, estão sendo apresentados como heróis que devem ser imitados pelos camponeses.”
Já no dia seguinte, o mesmo jornal trouxe novo artigo intitulado “Marxistas estão organizando os camponeses do Brasil”.
Logo após a sua posse, neste mesmo ano, o presidente norte-americano John Kennedy anunciou que “nenhuma área tem maior e mais urgente necessidade de atenção do que o vasto Nordeste do Brasil”.
Imediatamente, foi instalada no Nordeste, com base em Recife, capital pernambucana, uma missão da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (Usaid). O entendimento de Washington era de que os erros cometidos no passado podiam ter facilitado a Revolução Cubana, mas o Nordeste era a segunda rodada do circuito, e tudo deveria ser feito para evitar uma nova derrota.
Nos dois anos seguintes, segundo relata o escritor Joseph A. Page, no livro “A Revolução que Nunca Houve – o Nordeste do Brasil 1955-1964”, traduzido pelo paraibano Ariano Suassuna, o Nordeste tornou-se uma parada obrigatória nas viagens de todo mundo à América do Sul. Políticos e funcionários de governo, universitários, jornalistas e escritores, visitantes de vários países queriam ver de perto as agitações revolucionárias. “Os nordestinos podiam verdadeiramente sentir que o mundo inteiro os estava observando”, escreve Page.
Em meados de 61, Edward Kennedy, irmão do presidente norte-americano, veio conhecer as famosas Ligas Camponesas. Agentes da CIA (serviço secreto americano), disfarçados de diplomatas, passaram a residir no Nordeste e alguns chegaram a se infiltrar no movimento camponês. “Conselheiros de segurança” dos Estados Unidos, que também haviam se mudado para o Brasil, passaram a “contribuir” com as delegacias locais.
E MAIS
Ultrassecretos
Relatórios detalhados eram encaminhados regularmente ao governo americano informando sobre a situação na Região.
Alguns trechos oficiais foram divulgados anos depois:
“Politicamente, o Nordeste é o centro de uma intensa atividade esquerdista. Se a evolução social e econômica não tomar o rumo desejado, o Nordeste pode ser uma das mais primeiras áreas a tornar-se comunista.”
“Corremos o perigo de perder parte de nossa civilização para o comunismo, sem estarmos conscientes desta perda.”
Em 27 de março de 1964, já próximo ao golpe militar, o embaixador americano no Brasil, Lincoln Gordon, escreveu um memorando ultrassecreto: “Minha conclusão é que Goulart (presidente João Goulart) se acha agora definitivamente envolvido numa campanha para conseguir poderes ditatoriais, aceitando para isso a colaboração ativa do Partido Comunista Brasileiro e de outros revolucionários de esquerda radical. Se tiver êxito, é mais provável que o Brasil ficará sob controle comunista.”.
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